Especialistas negam que haja relação certeira entre presença do travessão e uso de IA para gerar textos

Caçadores de IA – Com o avanço dos modelos de inteligência artificial, como o ChatGPT, até um simples sinal de pontuação passou a levantar suspeitas. O travessão, tradicional recurso usado na língua portuguesa para marcar diálogos, intercalar ideias ou reforçar pausas, virou alvo de desconfiança. Usuários nas redes têm afirmado que seu uso seria um indicativo de que o texto foi gerado por uma IA, tornando-o uma espécie de “marca da besta” dos robôs escritores.
A teoria, no entanto, não se sustenta. Especialistas em linguagem explicam que o travessão continua sendo amplamente utilizado por humanos, sobretudo por escritores e jornalistas. A crença de que esse sinal denuncia um texto feito por chatbot se espalhou sem embasamento técnico e, ainda que ferramentas tentem identificar padrões de linguagem típicos da IA, os métodos atuais ainda apresentam alta margem de erro.

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Para Evandro Cunha, professor e coordenador do Núcleo de Linguística Computacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ainda há muita margem de erro nessas ferramentas.
“Se eu coloco na ferramenta cem textos meus, cem textos seus e depois peço para identificar de quem é um novo texto, a chance é boa de ela acertar. Mas perguntar de maneira geral se um texto veio do ChatGPT já não funciona tão bem.”
A suspeita crescente tem gerado até mudanças nos hábitos de escrita. “Essa história está me fazendo mudar minha forma de escrever, estou trocando travessão por parênteses, que eu nem gosto tanto; não quero parecer um robô”, conta Cunha.
O impacto vai além da estética textual. No ambiente acadêmico, professores estão reavaliando formas de avaliação para evitar o uso indevido de ferramentas de IA. Trabalhos em casa dão lugar a provas orais, justamente pela dificuldade de identificar a autoria real dos textos.
“Conseguimos perceber algumas marcas , inclusive aquilo que estão chamando de alucinações: o texto de repente vai em direções estranhas, faz concatenações esquisitas. E isso denota também a precariedade dos modelos gratuitos de inteligência artificial.”, diz Caetano Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná.
Mesmo empresas de tecnologia tentam criar formas mais confiáveis de detecção. A OpenAI, responsável pelo ChatGPT, desenvolve mecanismos que deixariam uma “marca d’água” invisível nos textos, identificável apenas por sistemas automáticos. Ainda assim, essas soluções não chegaram ao público com eficácia comprovada.
Para a escritora Noemi Jaffe, que já experimentou diversas ferramentas de IA, como o modelo chinês DeepSeek, o estilo dos bots ainda é limitado. “A resposta do ChatGPT é sempre previsível. No texto literário você tem o acaso, a quebra de expectativa, a hesitação, o autor se perde num pensamento… O robô faz um texto geralmente mediano; bem escrito, mas sem nenhuma graça.”
Enquanto a tecnologia evolui e o debate avança, uma coisa é certa: nenhum sinal de pontuação, por si só, basta para determinar a autoria de um texto. O travessão segue firme — e inocente — no papel que sempre teve na escrita humana.

(Com informações de Folha de S.Paulo)
(Foto: Reprodução/Freepik/frimufilms)