Projeto de lei que impõe regras éticas ao uso da IA divide o governo e big techs, enquanto o país tenta equilibrar inovação e segurança
Big techs – O governo chileno avança em um projeto de lei que busca impor limites éticos ao uso da inteligência artificial, em meio à resistência das grandes empresas de tecnologia. A proposta, que já passou pela Câmara e segue para o Senado, cria uma estrutura de classificação de riscos para os sistemas de IA, com regras mais rigorosas para os que apresentarem maior potencial de dano à sociedade.
A legislação complementaria as recentes leis de cibersegurança e proteção de dados, colocando o país na dianteira regulatória entre as economias em desenvolvimento. Se aprovada, pode transformar o Chile em um caso de referência regional — ou, segundo críticos, em um exemplo de excesso de controle.
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As big techs, que encontram no Chile um ambiente estável e infraestrutura robusta, veem com cautela a proposta. O país oferece condições ideais para data centers: fibra ótica de alta velocidade, cabos submarinos de conexão internacional e abundância de energia renovável.
Entre os projetos em andamento estão um investimento de US$ 4 bilhões da Amazon Web Services (AWS) em três centros de dados e a expansão da Alphabet (Google), que constrói um novo data center e instala um cabo de 14 mil quilômetros ligando o Chile à Austrália.
Empresas do setor afirmam não se opor à regulamentação, mas alertam que processos lentos e regras excessivas podem atrasar a inovação e afastar novos investimentos. Especialistas em direito e tecnologia também apontam que o país corre o risco de priorizar uma agenda ética em detrimento da competitividade, elevando o custo regulatório.
O cenário regional
Enquanto o Chile debate os limites da IA, outros países da região seguem caminhos distintos. A Argentina assinou uma carta de intenção com a OpenAI para construir um complexo de data centers de US$ 25 bilhões, e o Brasil oferece incentivos fiscais à importação de equipamentos voltados à IA, atraindo o interesse do Google para um grande centro tecnológico no Rio de Janeiro.
Ainda assim, o Chile se destaca pela rapidez com que adotou soluções digitais. Hoje, cerca de 35% das empresas chilenas já utilizam inteligência artificial, frente a 26% no ano anterior. O país lidera o índice regional de preparação para a IA e abriga mais de 40 data centers, quase todos concentrados em Santiago.
A expansão tecnológica no Chile é impulsionada principalmente por sua matriz energética sustentável e pela conectividade internacional. Desde 2015, a capacidade instalada dos data centers triplicou, e a previsão é que ultrapasse 500 megawatts até 2030, segundo estimativas da empresa Colliers.
Com energia solar abundante no norte e cabos submarinos conectando o país a diversas regiões, o Chile é visto como um futuro hub digital do Cone Sul. Ainda assim, empresas reclamam de burocracia e atrasos em licenças ambientais.
Um projeto de data center de US$ 200 milhões do Google foi adiado após questionamentos judiciais, e o governo enfrenta desafios para expandir linhas de transmissão de energia até a capital.
Entre controle e oportunidade
O presidente Gabriel Boric tem defendido a regulação da IA como um passo necessário para garantir segurança e direitos fundamentais, mas também como uma oportunidade de inovação ética. Seu governo lançou um plano nacional de data centers e apoia a criação de um modelo de linguagem latino-americano, em contraponto à hegemonia das potências tecnológicas.
Apesar da ambição, analistas avaliam que o Estado chileno ainda carece de coordenação e de uma política digital de longo prazo. O desafio, dizem, é encontrar o equilíbrio entre garantir regras claras e manter o país atrativo para o capital tecnológico.
Com a transição de governo prevista para março, o futuro da política digital chilena permanece incerto. Entre a promessa de liderança regional e o risco de retração de investimentos, o país tenta provar que ética e inovação podem coexistir — e que regular a inteligência artificial não precisa significar frear o progresso.
(Com informações de O Globo)
(Foto: Reprodução/Freepik/Kitinut)