Livro revela como a OpenAI, criadora do ChatGPT, se apoia em exploração de trabalhadores e recursos ambientais para sustentar seu avanço

ChatGPT – A percepção quase mágica que cerca tecnologias como o ChatGPT, da OpenAI, esconde um cenário bem mais terreno, e preocupante. É o que mostra a jornalista Karen Hao no livro Empire of AI (Império da IA), lançado em maio e ainda sem edição no Brasil. Fruto de cerca de 300 entrevistas, a obra revela como o sucesso da empresa está profundamente ligado à exploração de trabalhadores precarizados e ao uso intensivo de recursos naturais.

“Essas empresas lucram mais, se enriquecem mais, quando há um crescente burburinho em torno da tecnologia e quando há a percepção de que a IA é mágica”, afirmou Hao em entrevista à BBC News Brasil, em Londres. “Não é tão emocionante quando os consumidores estão usando uma tecnologia que sabem que envolve exploração de mão de obra.”

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A jornalista percorreu o mundo, do Quênia à Colômbia, passando pelo Chile, para conversar com pessoas diretamente afetadas pelas operações da OpenAI. No Quênia, conheceu Mophat Okinyi, contratado para moderar conteúdo sexual gerado por IA. Sua tarefa era distinguir entre erotismo consensual e abusos, incluindo casos envolvendo crianças. O trabalho gerou traumas psicológicos e contribuiu para a separação de sua esposa. “O que recebi em troca valeu o que perdi?”, questiona Okinyi no livro.

Esse tipo de trabalho, chamado de “moderação de conteúdo”, envolve o contato constante com textos gerados pelos próprios modelos da OpenAI. “A OpenAI solicitou a seus próprios modelos que imaginassem alguns dos piores cenários de abuso de texto, discurso de ódio, assédio, racismo, sexismo, para dar aos trabalhadores, para que houvesse uma distribuição mais ampla das piores coisas que eles pudessem então filtrar”, explica Hao.

Impacto ambiental

Além disso, a autora destaca o impacto ambiental da inteligência artificial generativa. Data centers, estruturas essenciais para o funcionamento dessas ferramentas, consomem milhões de litros de água e grandes volumes de energia.

Um centro típico focado em IA consome eletricidade equivalente a de 100 mil casas, mas os maiores que estão sendo construídos atualmente consumirão 20 vezes mais. O treinamento do GPT-4 exigiu energia suficiente para abastecer 70,5 mil lares em países em desenvolvimento.

No Chile, a jornalista conheceu o Mosacat, grupo que impediu a construção de um data center do Google em Cerrillos. A estrutura usaria 169 litros de água potável por segundo, em uma região com histórico de seca. Após mobilizações e resistência local, o projeto foi cancelado.

Precarização

A terceirização é uma constante. Hao aponta que empresas como a OpenAI se beneficiam de cadeias produtivas opacas. “A razão pela qual muitas pessoas acabam não percebendo essas cadeias de suprimentos complexas é que, em parte, as empresas tentam se distanciar delas. Elas usarão uma empresa intermediária para construir seus centros de dados ou contratar trabalhadores terceirizados”, afirma.

No Brasil, reportagem da BBC News Brasil mostrou que o chamado “microtrabalho” – treinar IAs e moderar conteúdo – é feito principalmente por mulheres, segundo estudo da Universidade Estadual de Minas Gerais. Hao aponta três fatores comuns nesses trabalhadores: são instruídos, têm boa conectividade com a internet e vivem com baixa renda. “Eles executam bem as tarefas, são treinados muito rapidamente e estão dispostos a fazer isso por muito, muito, muito pouco dinheiro.”

A autora também critica a narrativa de que o avanço da IA é inevitável. “Sempre que você se depara com a narrativa de que as IAs são inevitáveis, de que se você não adotar essa tecnologia será substituído por alguém que a adote, saiba que essa é uma narrativa enraizada, perpetuada e amplificada pelas empresas que as produzem.”

Segundo Hao, essas empresas ainda dependem de recursos controlados por governos, como água, energia, terras e dados. “Os governos precisam reconhecer que eles possuem e governam coletivamente todos os recursos que essas empresas precisam para produzir as tecnologias em primeiro lugar.”

A OpenAI foi procurada pela BBC News Brasil para comentar as críticas. Em resposta, um porta-voz enviou apenas uma publicação feita por Sam Altman na rede social X: “Estão para sair alguns livros sobre a OpenAI e sobre mim. Nós só participamos de dois”, escrevey. A empresa não citou o livro de Hao nem respondeu às acusações diretamente.

Karen Hao, que teve acesso inédito à OpenAI em 2019, quando ainda era um laboratório sem fins lucrativos, diz ter percebido uma mudança rápida após o investimento de US$ 1 bilhão feito pela Microsoft. “Percebi que a organização defendia publicamente valores que na prática se manifestavam de forma diferente.”

(Com informações de g1)
(Foto: Reprodução/Freepik/frimufilms)