Milhões de usuários recorrem ao ChatGPT não apenas como companhia digital, mas como pseudo-conselheiro emocional e até "vidente"

IA – A inteligência artificial ampliou sua presença na vida cotidiana, transcendendo seu uso técnico inicial para influenciar interações pessoais, consultas e decisões. De forma gradual, consolidou-se como depositária de dúvidas íntimas e confidente digital.

Casos concretos ilustram esse fenômeno: viralizou recentemente o relato de uma mulher grega que optou pelo divórcio após consultar o ChatGPT sobre seu casamento. Ela solicitou que o sistema aplicasse técnicas de tasseografia (leitura de padrões em folhas de chá e xícaras de café).

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A IA afirmou que seu cônjuge mantinha fantasias envolvendo uma mulher cujo nome iniciava com “E” e teria um romance predestinado. Baseada nessa resposta, ela terminou uma união de 12 anos.

Especialistas questionam os riscos envolvidos no fato de que usuários estão atribuindo credibilidade quase absoluta a sistemas que geram respostas estatísticas, sem compreensão real do conteúdo.

“As pessoas sempre precisam acreditar em algo mágico, que alguém nos diga o que fazer, porque assim não somos nós que decidimos, é um outro. Essa busca por uma resposta rápida e mágica é nossa parte infantil”, avalia Mirta Cohen, da Associação Psicanalítica Argentina (APA).

A psiquiatra Patricia O’Donnell, também membro da APA, faz outro alerta: “Essas respostas instantâneas ignoram nossas emoções e pensamentos, sem a necessidade de um tempo de espera, reflexão e elaboração”.

Impactos psicossociais em estudo

Dados do MIT Media Lab e OpenAI (março) indicam correlação entre uso intenso do ChatGPT e relatos de dependência emocional, uso problemático e solidão. Pesquisa do Barna Group (2024) com 1.500 adultos norte-americanos revela que 45% dos millennials usam IA semanalmente para questões pessoais, enquanto metade da Geração Z sente urgência em adotar a tecnologia.

“Estamos tão acostumados a dialogar por meios digitais que é fácil esquecermos que estamos falando com uma inteligência artificial Assim, me diz o que quero ouvir”, aponta María Pilar García Bossio, doutora em Ciências Sociais.

Fredi Vivas, engenheiro e professor de IA, lembra que o funcionamento desses sistemas é baseado em reproduções que jamais podem ser comparados a um ser humano de fato.

“Os modelos de linguagem conseguem processar muitos textos Isso pode ser percebido como se ele soubesse de tudo”.

O psicanalista Andrés Rascovsky vai na mesma linha e lembra que mesmo que a rápida evolução das IA’s generativas, as conexões humanas são insubstituíveis. “Apesar da tentativa da IA de ‘se humanizar’, ela jamais poderá igualar as conexões humanas”.

“Esperar que a IA resolva tudo pode levar ao desperdício do potencial criativo e da capacidade de criar vínculos” Paradoxalmente, tanta conexão pode acentuar a vivência da solidão, pois o sujeito, ao se afundar em satisfações temporárias e efêmeras, acaba ficando mais só”, adverte Patricia O’Donnell.

(Com informações de O Globo)
(Foto: Reprodução/Freepik)