Instituições acadêmicas recorrem a métodos clássicos para garantir aprendizado real diante do avanço de ferramentas de IAs generativas
Efeito ChatGPT – O avanço da inteligência artificial (IA) tem levado universidades nos Estados Unidos a reverem suas formas de ensino e avaliação. Para evitar que alunos dependam exclusivamente de ferramentas como o ChatGPT, instituições estão resgatando práticas antigas, como provas orais, redações feitas em sala e avaliações presenciais.
“Lembro-me do momento em que percebi que minha abordagem para o uso da inteligência artificial pelos alunos não estava funcionando”, afirmou Clay Shirky, vice-reitor da Universidade de Nova York (NYU), em artigo publicado no New York Times.
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Segundo Shirky, um professor de filosofia em Abu Dhabi relatou que, mesmo após discutir abertamente com seus alunos sobre os impactos da IA na aprendizagem, muitos continuaram a utilizá-la para escrever seus trabalhos. O fenômeno não era isolado: até estudantes considerados engajados optavam por recorrer à tecnologia para evitar esforço fora da sala de aula.
A tentativa de integrar a IA de maneira produtiva, como gerar testes para autoavaliação ou pedir feedback sobre ideias, não surtiu efeito. Para os professores, bastava usar a própria ferramenta para criar críticas ou respostas, tornando difícil diferenciar o esforço real do automatizado. Detectores de plágio também se mostraram pouco confiáveis.
Diante desse cenário, docentes passaram a propor métodos que exigem demonstração de conhecimento em tempo real. A estratégia inclui o retorno de provas supervisionadas, redações em sala, atendimentos obrigatórios e avaliações orais. Um reflexo desse movimento já foi registrado: o Wall Street Journal apontou aumento nas vendas de livros didáticos no último ano letivo.
Apesar de críticas de alguns professores, que associam a nova rotina ao ensino médio, especialistas defendem que essas práticas não representam retrocesso, mas sim um resgate de modelos históricos da educação superior.
Volta às origens acadêmicas
A história mostra que tarefas escritas nem sempre foram centrais no ensino universitário. Nas instituições medievais europeias, há cerca de mil anos, a educação se baseava em instruções orais e exames presenciais, já que livros eram raros. Termos como lecture (palestra) e lecturer (palestrante) têm origem no verbo latino lego, que significa “ler”, um reflexo da tradição em que professores liam textos para seus alunos, muitas vezes os únicos exemplares disponíveis.
Somente a partir dos séculos XVIII e XIX, em universidades como Cambridge e Oxford, os exames escritos passaram a se tornar mais comuns. Nos Estados Unidos, a prática ganhou força no final do século XIX, influenciada pelas instituições de pesquisa alemãs, e se consolidou no pós-Segunda Guerra Mundial.
Agora, diante da popularização da IA, professores resgatam elementos dessa tradição: o diálogo socrático, o debate em sala, provas orais e avaliações sem acesso à internet. O objetivo é assegurar que o estudante internalize o conhecimento em vez de apenas reproduzir textos prontos.
O maior desafio, no entanto, é a escala. Em turmas grandes, a aplicação de avaliações orais ou interativas se torna inviável. Para lidar com isso, universidades estudam alternativas como provas supervisionadas em massa e maior participação de assistentes de ensino.
Ainda que haja resistência de alunos e professores, especialistas defendem que tais estratégias preservam o esforço mental necessário para o aprendizado. Como resumiu um estudante: “É como se quisessem que a gente falhasse”.
Shirky rebate essa percepção: o objetivo não é reprovar, mas garantir que os alunos aprendam de fato. “Recortar e colar respostas não gera conhecimento”, pontua. O desafio das universidades será equilibrar métodos tradicionais com novas formas de aprendizagem ativa.
Nos próximos anos, práticas como provas orais e redações em sala devem coexistir com a inovação tecnológica, resultando em um ensino mais próximo, relacional e comunitário.
(Com informações de O Globo)
(Foto: Reprodução/Freepik/EyeEm)