Decisão reconhece a geolocalização como instrumento legítimo de apuração de horas extras, desde que respeitados critérios de privacidade e proporcionalidade.

Controle de jornada – A crescente digitalização das relações de trabalho tem exigido que a Justiça se adapte às novas ferramentas tecnológicas no campo probatório. Nesse contexto, uma decisão recente da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou a possibilidade de uso da geolocalização como meio válido para apuração de horas extras — um passo significativo na modernização da instrução processual.

Sob a perspectiva empresarial, a medida representa tanto uma oportunidade quanto um desafio: cabe às companhias entender como empregar esse recurso sem extrapolar limites legais e garantir que ele não se torne um mecanismo de vigilância permanente sobre o trabalhador.

LEIA: Sindplay ensina a simular aplicativos com o Avilla App Simulator

O entendimento foi firmado no julgamento do Processo nº 23369-84.2023.5.04.0000. Por maioria, a SDI-2 admitiu que informações de geolocalização podem ser utilizadas como prova digital em disputas de jornada, desde que observadas condições estritas. A decisão fixou três parâmetros essenciais:

– Delimitação temporal e material: os dados devem se restringir aos dias e horários indicados na petição inicial, abrangendo apenas o período contratual em discussão;
– Sigilo processual: a coleta e a análise dos dados devem ocorrer sob segredo de justiça, preservando a privacidade das partes;
– Exclusão de conteúdos pessoais: a prova deve se limitar a metadados de localização, sendo vedado o acesso a mensagens, chamadas ou comunicações particulares.

Essas diretrizes se alinham aos artigos 369 e 370 do Código de Processo Civil (CPC), que permitem o uso de provas moralmente legítimas, e ao artigo 7º, VI, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que autoriza o tratamento de dados pessoais para o exercício regular de direitos em processos judiciais.

Empresas são orientadas a treinar gestores e equipes de recursos humanos para compreender que a geolocalização não substitui o controle formal de jornada, tampouco deve ser usada como forma de rastreamento contínuo de empregados.
Aspectos de proteção de dados

Sob o enfoque da privacidade, o uso de geolocalização requer atenção ao princípio da minimização (art. 6º, III, da LGPD), à limitação de finalidade (art. 6º, I) e, quando necessário, à elaboração de Relatório de Impacto à Proteção de Dados (art. 38). O descumprimento dessas diretrizes pode expor as empresas a sanções e riscos reputacionais.

A decisão do TST traz repercussões relevantes para a condução de litígios e para a gestão de dados corporativos:

– Instrumento estratégico de prova: em disputas envolvendo trabalhadores externos, os registros de localização podem sustentar a defesa patronal ao comprovar rotas compatíveis com a jornada alegada;
– Exigência de perícia técnica: a interpretação dos dados deve ser feita por profissional qualificado, apto a avaliar imprecisões e contextos como perda de sinal ou períodos de inatividade;
– Governança e segurança da informação: é essencial que as empresas adotem protocolos de confidencialidade, limitação de acesso e eliminação dos dados após o uso judicial;
– Cautela contra abusos: deve-se contestar pedidos genéricos ou desproporcionais de produção de prova, reafirmando o caráter excepcional da medida.

A relação com o controle de jornada

Do ponto de vista jurídico, a adoção da geolocalização não implica presunção automática de trabalho. Estar em determinado local não comprova, por si só, a execução de tarefas. Ainda assim, o entendimento do TST reflete mudança importante à luz da tese vinculante fixada pelo tribunal no Tema 73.

O debate central gira em torno da interpretação do artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que exclui do regime de controle de jornada os empregados externos cujas funções tornem inviável a fixação de horário. O TST reafirmou que cabe ao empregador provar essa impossibilidade, conforme os artigos 818, II, da CLT e 373, II, do CPC.

Assim, o desafio será demonstrar que o uso da geolocalização em processos judiciais não descaracteriza o regime de trabalho externo, servindo apenas como elemento de esclarecimento ex post, e não como forma de controle diário.

Estratégias recomendadas às empresas

Diante do novo cenário, especialistas apontam algumas medidas preventivas e processuais para o meio corporativo:

– Limitar temporalmente os pedidos de geolocalização, evitando devassas desnecessárias;
– Exigir segredo de justiça e proibição de acesso a comunicações pessoais;
– Contestar requerimentos abusivos e sugerir meios de prova menos invasivos;
– Reforçar que a geolocalização não equivale a controle de jornada;
– Fortalecer políticas de compliance digital e governança em dados.

Um avanço cauteloso

A validação da geolocalização pela SDI-2 do TST representa um passo importante na adaptação da Justiça do Trabalho às tecnologias emergentes. Contudo, o uso desse recurso deve permanecer excepcional e proporcional, equilibrando eficiência probatória e respeito à privacidade.

Em síntese, trata-se de uma ferramenta útil, mas que requer delimitação judicial precisa e atuação técnica rigorosa. Para as empresas, o caminho mais seguro é investir em governança de dados e estratégias jurídicas consistentes, de modo a evitar que o novo paradigma se converta em ônus excessivo ou em afronta ao regime legal do trabalho externo.

(Com informações de Law Innovation, por Brunna Louise Spedro Arantes)
(Foto: Reprodução/Freepik/intanyusufwafa)