Com mais tempo livre, as pessoas poderiam descansar mais, o que aumentaria a sua eficiência nos dias restantes
Semana de 4 dias – Em 1970, ano em que recebeu o Prêmio Nobel, Paul Samuelson, o pai da economia moderna, considerou a semana de 4 dias uma “invenção social decisiva”. O seu entusiasmo não é partilhado pela generalidade dos economistas.
Cinco décadas mais tarde, empresas estão testando a semana de 4 dias como prática de gestão, de forma independente ou em pilotos coordenados em todo o mundo. A ideia é debatida por sindicatos, partidos políticos e pela elite econômica em Davos. Quando se pede a opinião dos economistas, estes manifestam o seu ceticismo, aludindo ao modelo básico da Introdução à Economia: trabalhar menos horas trará utilidade do lazer (bem-estar), à custa de um PIB mais baixo. Reduzir o nível de atividade econômica é o preço real a pagar pela “vida boa”.
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Os economistas utilizaram o mesmo argumento no século XIX contra a redução da jornada diária de trabalho para as 8 horas e, mais tarde, contra a semana de 5 dias e 40 horas. Este raciocínio é demasiado simplista: ignora a história e as características e problemas atuais da economia. Dada a abrangência da sua discussão, não deveria a nossa análise da semana de 4 dias ser mais profunda?
Uma inovação social tão grande teria ramificações profundas, com muitos mecanismos em jogo para além daquele explicado pelo modelo de Introdução à Economia. Estes outros mecanismos poderiam ter efeitos positivos na economia agregada a vários níveis: do lado da demanda, da oferta, do mercado de trabalho e da economia política.
O tempo de lazer traz mais do que utilidade, e contribui direta e indiretamente para a economia. Nas palavras do Nobel de Economia James Tobin, “todo ato de lazer traz um benefício econômico a alguém”.
Com mais tempo livre, as pessoas poderiam descansar mais, o que aumentaria a sua eficiência nos dias restantes. Poderiam desfrutar de atividades de lazer que implicassem despesas, o que estimularia as indústrias do lazer, do entretenimento, da cultura, da restauração ou do turismo. Poderiam utilizar o dia para investirem em formação e adquirirem novas competências que os ajudassem a ascender a uma profissão mais promissora, o que é especialmente importante quando a tecnologia evolui rapidamente, tornando obsoletas várias ocupações e criando novas. Podem dedicar o seu tempo à sua paixão e talvez criar as inovações do futuro ou uma empresa.
É graças a este espírito empreendedor associado ao tempo livre que nasceram empresas como a Ford, a Apple ou a Nike.
Melhorar a economia é também protegê-la dos riscos, e um dos maiores que enfrentamos atualmente são os movimentos populistas, que se alimentam do descontentamento, fomentam a divisão e prejudicam a economia. Medida pela sua popularidade, a semana de 4 dias é uma ideia que pode mobilizar as sociedades contemporâneas contra as trincheiras de descontentamento cavadas pelos populistas.
Isoladamente, cada um destes mecanismos teria uma importância de segunda ordem, mas, atuando em conjunto, poderiam ter efeitos consideráveis. Além disso, as mudanças estruturais das últimas décadas estão amplificando estes mecanismos que operam por meio dos avanços tecnológicos, do aumento da participação das mulheres no mercado laboral, do abrandamento da produtividade, do aumento das doenças mentais como o stress e o burnout, da “morte do crescimento”, da “estagnação secular”, do excesso de poupança, do aumento das desigualdades, do aumento do poder de mercado das empresas, da explosão da Inteligência Artificial, do aumento dos movimentos populistas.
São as mudanças estruturais na economia e na sociedade que fazem com que os benefícios econômicos da semana de 4 dias sejam maiores agora do que eram há 50 anos. O suficiente para compensar a redução das horas por trabalhador e se ignorar os ganhos de utilidade.
São estas mudanças estruturais nas nossas economias e sociedades que fazem com que os benefícios econômicos de uma semana de quatro dias sejam maiores agora do que eram há 50 anos. O suficiente para compensar a redução das horas por trabalhador, mesmo que queiramos ignorar os ganhos de utilidade, por serem subjetivos e difíceis de quantificar.
O fato de empresas estarem reduzindo a semana de trabalho reforça o argumento de que existem benefícios em ambos os lados. Por que é que as empresas o fazem?
Trabalhadores mais descansados são mais produtivos e cometem menos erros. As empresas que reduzem a semana de trabalho observam uma queda no absenteísmo, porque melhora a saúde física e mental dos funcionários e porque têm menos necessidade de se ausentar para tratar de outros assuntos. Isso diminui a necessidade de horas extra ou contratação temporária. Também reduz a rotatividade e os custos de recrutamento e formação associados.
Além disso, as empresas utilizam-na para alterar os processos internos de modo a melhorar a eficiência, por exemplo reduzir o número e a duração das reuniões; adotar novas tecnologias ou software para facilitar o trabalho em equipe; automatizar processos que são frequentemente manuais; melhorar a comunicação; otimizar os turnos; analisar o fluxo de clientes ou de tarefas durante a semana, o mês ou o ano, para que as folgas tenham um impacto mínimo.
Por que é que as empresas não fazem estas mudanças sem reduzir a semana de trabalho? Porque na maioria das vezes não conseguem. Normalmente, a melhoria dos processos ou a adoção de novas tecnologias depara-se com a resistência interna dos trabalhadores, assustados com as implicações para as suas perspectivas de emprego. Se trabalharem de forma mais eficiente, o que é que ganham? Na melhor das hipóteses, terão mais trabalho. Na pior das hipóteses, a empresa não precisará de tantos trabalhadores e alguns serão despedidos.
A experiência mostra que quando estas mudanças são feitas a par da transição para a semana de 4 dias, os trabalhadores não só aceitam as mudanças, como participam ativamente na reorganização. A semana de quatro dias alinha os incentivos da gestão e dos trabalhadores, pelo que, na sua essência, não é diferente de dar bônus como incentivo ao desempenho.
O outro elemento importante é pensar em equipes e não em trabalhadores individuais. Uma empresa é uma equipe e uma equipe pode falhar por causa de um trabalhador ou devido a problemas de comunicação ou de organização. A questão não é “Pode um trabalhador produzir o mesmo em quatro dias?”, mas sim “Pode cada equipe manter o serviço reduzindo as horas de todos se organizarmos melhor o trabalho?”.
Estes exemplos mostram que não devemos ter uma perspectiva contabilística: “A semana de quatro dias obrigará contratar mais 25% de trabalhadores”. A realidade é que tudo muda: o empenho e o esforço dos trabalhadores, a organização do trabalho em equipe, a utilização da tecnologia, o controle de gestão, a estrutura dos custos. É importante, como economistas, compreender e quantificar estes ajustamentos.
A semana de 4 dias é demasiado complexa para ser analisada com um simples modelo introdutório. A sua complexidade faz dela um dos “pecados de omissão” em economia que, segundo o Prêmio Nobel George Akerlof, “levam a pesquisa econômica a ignorar questões importantes que são difíceis de abordar da forma mais dura”. A economia merece melhor dos economistas.
Por Pedro Gomes, professor catedrático de Economia em Birkbeck, University of London, autor do livro “Sexta-feira é o novo Sábado” e coordenador do Projeto-Piloto da Semana de 4 dias do governo de Portugal em 2023
*Texto publicado originalmente no site Valor Econômico
(Foto: Reprodução)