Avanço meteórico da inteligência artificial levanta dúvidas sobre a sustentabilidade financeira das empresas do setor

Empresas de IA – O cofundador e CEO da OpenAI, Sam Altman, causou surpresa ao participar de uma rara entrevista coletiva durante a conferência DevDay nesta semana. Diante de jornalistas, ele reconheceu que partes do setor de inteligência artificial “estão meio infladas neste momento”.

“Sei que é tentador escrever uma reportagem falando em bolha”, disse Altman à BBC, sentado ao lado de executivos da OpenAI, responsável por produtos como o ChatGPT.

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No Vale do Silício cresce o debate sobre a possível supervalorização das companhias de IA. Alguns investidores e analistas, até pouco tempo discretos, passaram a questionar publicamente se a disparada nos valores de mercado do setor é resultado de “engenharia financeira”. Em outras palavras, há quem acredite que muitas dessas empresas valem menos do que realmente entregam.

Altman reconheceu que erros de investidores e o sucesso momentâneo de startups sem futuro são inevitáveis, mas defendeu a OpenAI: “algo de verdade está acontecendo”.

Mercado em alerta

Os sinais de preocupação se multiplicam. O Banco da Inglaterra, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Jamie Dimon, CEO do banco JP Morgan, emitiram alertas recentes sobre a euforia em torno da IA. Dimon afirmou à BBC que “o nível de incerteza deveria estar mais presente na mente da maioria das pessoas”.

No próprio Vale do Silício, as comparações com bolhas passadas são inevitáveis. Durante um debate no Museu da História do Computador, o pioneiro em IA Jerry Kaplan declarou ter vivido quatro bolhas tecnológicas e se disse mais apreensivo agora do que no auge da “bolha das pontocom” dos anos 1990.

“Quando estourar, vai ser muito ruim, e não apenas para quem trabalha com IA”, alertou. “Vai arrastar o restante da economia junto.”

Entre o risco e a oportunidade

Apesar das advertências, há quem veja o cenário com otimismo. A professora Anat Admati, da Stanford Graduate School of Business, lembrou que o estouro de uma bolha só é evidente após o fato.

“É muito difícil prever uma bolha. E você não pode afirmar com certeza que estava em uma até que ela tenha estourado”, afirmou.

Mesmo assim, os números chamam atenção. Companhias ligadas à IA foram responsáveis por cerca de 80% dos ganhos surpreendentes da bolsa americana neste ano. A consultoria Gartner estima que os gastos globais com inteligência artificial alcancem US$ 1,5 trilhão (aproximadamente R$ 8,4 trilhões) até o fim de 2025 – o equivalente a quase 75% do PIB brasileiro de 2024 (R$ 11,7 trilhões).

Teia de contratos bilionários

No centro dessa engrenagem está a OpenAI, que popularizou a inteligência artificial com o ChatGPT em 2022. Hoje, a empresa participa de uma complexa rede de contratos bilionários.

Em setembro de 2025, firmou um acordo de US$ 100 bilhões (R$ 560 bilhões) com a fabricante de chips Nvidia, atualmente a companhia mais valiosa do mundo. O pacto amplia uma parceria anterior e prevê que a OpenAI construa centros de dados com os chips avançados da Nvidia.

Pouco depois, a OpenAI anunciou a compra de equipamentos da AMD, rival direta da Nvidia, em um negócio de bilhões de dólares que poderá transformá-la em uma das maiores acionistas da fabricante.

Embora não tenha ações na bolsa, a OpenAI foi recentemente avaliada em cerca de US$ 500 bilhões (R$ 2,8 trilhões). Além da Nvidia e da AMD, a Microsoft mantém investimentos robustos na empresa, e a Oracle possui um contrato de US$ 300 bilhões (R$ 1,7 trilhão) para infraestrutura de computação em nuvem.

O projeto Stargate, desenvolvido no Texas com apoio da Oracle e do SoftBank, foi anunciado na Casa Branca no início do governo Donald Trump e cresce mês a mês.

Distorções de mercado

Com tantos acordos interligados, especialistas alertam para uma “contaminação” na percepção da demanda real por IA. Alguns analistas chamam o fenômeno de “financiamento circular” — quando empresas investem ou emprestam recursos aos próprios clientes para que continuem comprando seus produtos.

“Sim, os empréstimos de investimento são sem precedentes”, reconheceu Altman. “Mas também é sem precedentes empresas crescerem em receita tão rápido.”

Apesar da rápida expansão da OpenAI, a empresa nunca registrou lucro. Comparações com o caso da Nortel — empresa canadense que inflou artificialmente a demanda nos anos 1990 — vêm se tornando frequentes entre observadores do mercado.

Jensen Huang, CEO da Nvidia, defendeu o acordo com a OpenAI em entrevista à CNBC: “Eles podem usar como quiserem. Não há exclusividades. Nosso objetivo é ajudá-los a crescer — e fazer o ecossistema crescer também.”

Kaplan acredita que há sintomas claros de um mercado em ebulição: companhias anunciam projetos grandiosos sem capital garantido, enquanto investidores de varejo correm para não ficar de fora da “corrida da IA”.

A valorização das ações da AMD nos últimos dias reflete esse entusiasmo. E, paralelamente, a infraestrutura física para atender à demanda crescente está sendo erguida a todo vapor.

“Estamos criando um novo desastre ecológico feito pelo homem: enormes centros de dados em locais remotos, como desertos, que vão enferrujar e liberar substâncias nocivas ao meio ambiente, sem ninguém para ser responsabilizado”, advertiu Kaplan.

O Brasil já conta com 162 data centers, com capacidade entre 750 MW e 800 MW, segundo a Associação Brasileira de Data Centers — consumo equivalente ao de uma cidade de 2 milhões de habitantes. Projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que, até 2038, a demanda de energia desses centros poderá atingir o equivalente ao consumo de 43 milhões de pessoas, quase quatro vezes a população da cidade de São Paulo.

O futuro incerto da bolha

Mesmo que o setor esteja em uma bolha, alguns acreditam que os investimentos atuais podem deixar frutos duradouros. “O que me conforta é que a internet foi construída sobre as cinzas do excesso de investimento na infraestrutura de telecomunicações de ontem”, disse Jeff Boudier, da Hugging Face.

“Se há excesso de investimento em infraestrutura para cargas de trabalho de IA, pode haver riscos financeiros”, reconheceu. “Mas isso vai viabilizar muitos novos produtos e experiências – inclusive os que ainda nem imaginamos.”

Ainda há otimismo no Vale do Silício quanto ao potencial transformador da inteligência artificial. A dúvida é se haverá dinheiro suficiente para sustentar as ambições das gigantes do setor.

“A Nvidia parece ser o credor ou investidor final”, observou Rihard Jarc, fundador da newsletter UncoverAlpha. “Quem mais teria capacidade hoje de investir US$ 100 bilhões em outra empresa?”

(Com informações de g1)
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