Defensoria aponta vazamento inédito; sites afirmam apenas replicar dados públicos e negam responsabilidade
Processos sigilosos – Informações que deveriam estar protegidas por sigilo absoluto – referentes a adolescentes envolvidos em atos infracionais – vêm sendo tornadas públicas em plataformas jurídicas como Escavador e Jusbrasil. Apesar de legalmente resguardados, os dados passaram a aparecer em buscas simples na internet, permitindo a identificação de jovens e tornando casos sensíveis amplamente acessíveis.
A Defensoria Pública de São Paulo classifica o vazamento como inédito. A exposição já teria levado a episódios de demissão, abandono escolar e situações de constrangimento, segundo relatos encaminhados ao órgão. O Tribunal de Justiça nega falha e afirma que não houve quebra de segurança. Os sites lamentam a situação e dizem apenas reproduzir dados oficialmente disponibilizados. A origem da divulgação irregular ainda não foi esclarecida.
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Segundo apurado pelo g1, o problema veio à tona após equipes de medidas socioeducativas perceberem que adolescentes atendidos estavam sendo identificados de forma pública. Em uma única região de São Paulo, um dos serviços encontrou 40 nomes expostos, segundo a Defensoria.
A partir daí, denúncias começaram a chegar com frequência ao Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NEIJ), que hoje contabiliza mais de 50 casos confirmados, embora a estimativa real seja significativamente maior. Além dos nomes e idades, as páginas expunham detalhes sobre os atos infracionais atribuídos aos adolescentes, em grande parte crimes patrimoniais, como furtos.
“É algo completamente inédito. Estou na Infância há quase dez anos e nunca havia visto qualquer tipo de vazamento”, afirma Gabriele Estabile Bezerra, defensora responsável pelo núcleo. “Esses processos têm camadas de sigilo e, em alguns tipos, até os próprios defensores precisam de credenciais especiais para acessá-los. Encontrar esse material exposto em sites abertos é extremamente grave.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro: o artigo 247 proíbe qualquer forma de divulgação que permita identificar adolescentes envolvidos em atos infracionais, seja por publicação original ou por reprodução. Os sites, no entanto, dizem apenas “republicar dados públicos”.
A infração gera multa e pode ser dobrada em caso de reincidência. Quem transmite ou divulga imagens e informações de adolescentes incorre na mesma penalidade.
“Entendo que o TJ pode responder com base no ECA e na Constituição Federal ao expor nomes e informações de processos de crianças e adolescentes, que deveriam tramitar em sigilo. O segredo de Justiça visa evitar a revitimização das próprias crianças e adolescentes”, afirma Ariel de Castro Alves, advogado e membro da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB.
“Embora os portais se esquivem de assumir uma responsabilidade, o fato é que qualquer divulgação, independentemente da fonte de obtenção, é uma infração administrativa. Então, os portais são responsáveis por essa divulgação, sim. Além da indenização, que esses adolescentes podem fazer jus. E aí, teria que investigar a origem para poder pensar em espécies de responsabilidade seja penal, administrativa ou cível”, completou Gabriele.
TJ e CNJ negam irregularidades
O NEIJ encaminhou notificações ao Tribunal de Justiça, ao Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Até o momento, nenhum deles identificou a fonte da divulgação indevida ou apresentou medidas efetivas para solucioná-la.
Em nota, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou que sua área de tecnologia não encontrou falhas, vazamento de dados ou publicações irregulares. Segundo o TJ, as informações teriam sido obtidas por meios externos, sem envolvimento do tribunal.
As conclusões foram encaminhadas ao CNJ e à Defensoria. O TJ afirma que não pode determinar unilateralmente a retirada de conteúdos publicados por terceiros, sendo necessária ação judicial específica.
O CNJ, por sua vez, afirmou que solicitou esclarecimentos ao TJ. Segundo o órgão, a corte informou não ter encontrado falhas após auditoria interna e levantou a hipótese de que pessoas com acesso legítimo aos processos tenham divulgado indevidamente os dados. O presidente do TJSP defendeu uma investigação mais aprofundada, possivelmente policial.
A defensora discorda do número de casos encaminhados. “O CNJ arquivou dizendo que eram poucos casos, mas já mapeamos dezenas, e sabemos que o universo é muito maior. É indispensável uma investigação mais profunda sobre como esses dados sigilosos estão sendo extraídos e repassados.”
Possíveis origens do vazamento
A Defensoria identifica três pontos de vulnerabilidade que podem explicar a exposição indevida:
1. Publicações judiciais não anonimizadas, inclusive em varas criminais onde adolescentes foram citados nominalmente.
2. Atuação de advogados que levaram nomes de adolescentes ao Diário da Justiça Eletrônico sem o devido cuidado.
3. Divulgação de atos processuais que jamais poderiam ser públicos, como documentos do juízo corregedor, que possuem o nível máximo de sigilo.
A defensora também menciona que o problema pode estar ligado a bases nacionais obrigatórias que concentram dados de todos os tribunais, como o sistema Códex do CNJ, embora não haja evidências suficientes para confirmar essa hipótese.
O que diz o TJ
“O Tribunal de Justiça de São Paulo informa que foram instaurados expedientes administrativos na Presidência, com análise conduzida pelo Setor de Tecnologia da Informação, diante da notícia de eventual exposição indevida de dados de adolescentes vinculados a processos da Infância e Juventude. A apuração teve início após comunicações enviadas por magistrados e pelo Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NEIJ), da Defensoria Pública do Estado.
As análises realizadas pela área de TI confirmaram que não houve vazamento de dados, falha no sistema informatizado ou irregularidade nas publicações. Os levantamentos indicam que as informações mencionadas estão sendo obtidas por meios externos, alheios à atuação do TJSP e de seus agentes, sem qualquer falha na guarda dos dados pelo Tribunal.
As conclusões obtidas até o momento foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça e à Defensoria Pública, para as providências que entenderem cabíveis. O TJSP esclarece que não pode agir de ofício para determinar a retirada de conteúdos eventualmente publicados por terceiros, sendo necessária a provocação judicial por parte dos órgãos ou interessados legitimados.”
O que diz o CNJ
“Em 20 de agosto, a Corregedoria Nacional de Justiça pediu esclarecimentos ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em relação a suposto vazamento de dados de processos relativos ao cumprimento de medidas socioeducativas ou a atos infracionais em plataforma privada que reúne dados de processos judiciais.
A solicitação foi feita após o CNJ receber denúncia da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em que relatou facilidade na identificação desses processos, o que viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê que os dados de menores de idade constantes em processos judiciais devem ser resguardados de exposição.
Em resposta, o TJSP informou que, após auditoria interna, não foram encontradas falhas, erros de procedimento ou disponibilização indevida de dados por parte do Tribunal. A corte esclareceu ainda que a própria Defensoria havia identificado apenas dois casos desses vazamentos, os quais foram verificados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Sobre isso, o TJSP levanta a hipótese de que a coleta indevida de informações sobre esses dois casos tenha ocorrido por pessoas com acesso legítimo ao processo, que utilizaram os dados para fins ilegítimos. O presidente do TJSP sugeriu que apenas uma investigação mais aprofundada, possivelmente de caráter policial, poderá identificar a origem dos vazamentos.
Diante disso, a Corregedoria Nacional de Justiça considerou que não foram apresentadas provas concretas de falha na proteção de dados que justifiquem a instauração de medidas mais severas neste momento.”
O que diz o Escavador
Nota de esclarecimento do Escavador sobre alegações de exposição de dados processuais sigilosos envolvendo crianças e adolescentes.
O Escavador vem a público prestar esclarecimentos, com total transparência, sobre reportagens que mencionam suposta exposição, em sua plataforma, de dados processuais que deveriam tramitar sob segredo de justiça, especialmente em casos envolvendo crianças e adolescentes.
Lamentamos profundamente qualquer preocupação ou constrangimento que a situação possa ter causado a familiares, responsáveis e demais envolvidos. A proteção de dados pessoais – em especial de pessoas em situação de vulnerabilidade – é prioridade absoluta na nossa atuação.
1. Compromisso com proteção de dados e com a legislação
O Escavador reafirma seu compromisso integral com:
• a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD);
• o Marco Civil da Internet (MCI);
• o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o chamado ECA Digital.
Nosso modelo de atuação não envolve a coleta clandestina, a venda ou o vazamento de dados sigilosos. A plataforma organiza e indexa informações que já foram tornadas públicas em bases oficiais do Poder Judiciário, com o objetivo de facilitar o acesso e a compreensão de dados públicos.
O Escavador não tem poder de alterar, classificar como sigiloso ou tornar público qualquer dado na origem. Toda informação exibida reflete, de forma automatizada, o status com que ela é disponibilizada pelos órgãos oficiais competentes.
2. Origem das informações exibidas
A partir da análise técnica já realizada, constatamos que os processos mencionados na reportagem constavam como publicamente acessíveis em bases oficiais de consulta, incluindo a plataforma Jus.br, administrada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nesses casos, o Escavador:
• apenas reproduziu e indexou informações que já estavam abertas à consulta pública;
• não teve participação na decisão de tornar tais dados públicos;
• não realizou qualquer ação de invasão, extração indevida ou quebra de sigilo.
• A responsabilidade pela correta classificação (público/sigiloso) dos processos e pela
• proteção especial de dados de crianças e adolescentes é, por lei, dos órgãos que
• administram esses sistemas oficiais. Ainda assim, o Escavador entende que faz parte do
• mesmo ecossistema de Justiça digital e, por isso, age de forma colaborativa e preventiva.
3. Medidas imediatas adotadas pelo Escavador
Assim que fomos notificados sobre as alegações, adotamos, com máxima prioridade, as
seguintes medidas:
• Remoção imediata de conteúdo Todas as páginas relacionadas aos processos citados
• foram prontamente removidas da plataforma, impedindo novos acessos por meio do Escavador.
• Reforço de rotinas de monitoramento Intensificamos nossos mecanismos de verificação e monitoramento de dados provenientes de fontes oficiais, com atenção especial a situações que possam envolver crianças, adolescentes e outros grupos vulneráveis.
Colaboração técnica com o Poder Judiciário Colocamos nossa equipe técnica à disposição do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e demais órgãos competentes para:
• apoiar na identificação da origem das publicações indevidas em bases oficiais;
• colaborar em melhorias de prevenção e correção de eventuais inconsistências na
• classificação de processos sigilosos.
• As informações colhidas em nossa análise técnica estão à disposição das autoridades para
• quaisquer apurações que entenderem cabíveis.
4. Papel do Escavador no ecossistema de Justiça digital
O Escavador é uma das mais de 20 lawtechs e legaltechs associadas à AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs) que atuam de forma legítima e transparente na organização de dados públicos, contribuindo para a democratização do acesso à Justiça.
Situações em que processos que deveriam ser sigilosos aparecem como públicos em bases oficiais representam um desafio relevante para todo o sistema de Justiça digital. Por isso, o enfrentamento desse tipo de problema exige:
• correções na origem, nos sistemas oficiais que classificam e divulgam os dados;
• diálogo técnico constante entre Poder Judiciário, órgãos reguladores, especialistas em
• proteção de dados e empresas de tecnologia jurídica.
O Escavador reitera sua postura colaborativa e responsável, colocando-se à disposição para contribuir com soluções que reforcem a proteção de dados – em especial de crianças e adolescentes – em todo o ciclo de vida da informação, desde a publicação oficial até eventuais indexadores de busca.
5. Exercício de direitos e canais de atendimento
O Escavador incentiva que qualquer titular de dados exerça plenamente seus direitos de privacidade e autodeterminação informativa. Para isso, mantém canais específicos e acessíveis:
Política de Privacidade https://www.escavador.com/politica-de-privacidade
Formulário de Remoção de Dados Disponível na plataforma para solicitações de exclusão, ocultação ou desindexação de resultados associados a nomes de pessoas físicas ou jurídicas, analisadas com a maior brevidade possível.
Canais de atendimento:
contato@escavador.com
dpo@escavador.com
O Escavador permanece à disposição da imprensa, das autoridades e da sociedade para prestar todos os esclarecimentos necessários.
O que diz o Jusbrasil
“O Jusbrasil organiza e disponibiliza dados públicos extraídos de fontes oficiais do sistema de justiça. Desde a entrada no ar do Jusbrasil, criamos mecanismos de remoção de informações pessoais, mesmo que estejam disponíveis em sites oficiais. Já foram mais de 15 milhões de processos que tiveram informações desidentificadas de forma proativa. Essas medidas incluem casos de adolescentes que cumprem ou cumpriram medidas socioeducativas.
Nos casos de informações que tenham sido publicadas erroneamente pelas fontes oficiais e não tenham sido contempladas em nossos mecanismos automáticos de prevenção, temos um canal de atendimento que funciona 24 horas por dia para solicitação de desidentificação das informações. Nos diários oficiais, havendo o pedido, a desidentificação é imediata.”
(Com informações de g1)
(Foto: Reprodução/Freepik/DC Studio)