Você reconheceria um texto escrito por IA? Processo já é quase indetectável
IA – Adriano Machado, professor de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comemorou no último 12 de junho o 28º Dia dos Namorados com sua esposa, Maira Pereira. Para a data especial, decidiu presenteá-la com uma joia e uma carta de amor. Apesar das muitas lembranças do casal, Adriano sentiu dificuldade para encontrar as palavras certas.
“Coloquei todo o meu pensamento, com começo, meio e fim. Deu uma página. Mas eu não estava inspirado e queria alguma coisa mais poética, como se estivesse narrando essa história de 28 anos de namoro. E queria terminar com o texto de um autor que eu gosto muito.”
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Ele então recorreu ao ChatGPT para aprimorar o texto, fazendo ajustes e pedindo novas versões de trechos até chegar ao resultado desejado.
A carta foi impressa e entregue. Maira achou linda, mas estranhou. “Me conhecendo, ela sabia. Ou eu tinha estudado e me tornado mais romântico e poético do dia pra noite, ou tinha usado alguma ferramenta.”
A anedota doméstica tem servido como exemplo em sala de aula. Adriano discute com os alunos os desafios que ele e outros professores enfrentam ao tentar identificar o que foi produzido por humanos ou por máquinas, e a importância de usar essas ferramentas com ética e transparência.
Segundo ele, textos gerados por IA podem até parecer “mecânicos”, com frases óbvias, falta de erros gramaticais e estruturas repetitivas. Mas isso está mudando rapidamente. “A evolução dos modelos, inclusive em língua portuguesa, e a facilidade de refinar os resultados iniciais, como no exemplo da carta, tornam praticamente impossível saber o que foi gerado por humanos ou robôs”, afirma.
Diversos programas prometem identificar conteúdos feitos por IA com até 99% de acurácia. Na prática, isso é menos preciso. “É possível detectar indícios do uso, mas com uma certeza relativa, não absoluta”, diz o professor.
Para ele, a preocupação principal não é a origem do texto, mas o aprendizado. “Se eu tenho conhecimento do que eu preciso e souber usar a IA a meu favor, isso pode poupar muito tempo. Mas a maior preocupação hoje é com os alunos, porque tenho de ensiná-los a avançar na linha de conhecimento.”
A engenharia de prompt
O processo de aprimorar as respostas da IA, conhecido como engenharia de prompt, pode tornar os textos praticamente indistinguíveis de produções humanas.
A BBC News Brasil testou uma ferramenta popular do mercado para detectar IA. Três textos foram gerados artificialmente. O primeiro, feito com uma solicitação genérica, foi identificado facilmente. Mas, ao pedir que o mesmo texto fosse reescrito “como um humano, de forma menos robótica”, o detector apontou apenas 30% de conteúdo gerado por IA.
A professora de sociolinguística da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Raquel Freitag, explica: “Pelo bem ou pelo mal, é muito difícil hoje alguém dizer se é ou não (gerado por IA) se não tiver um parâmetro anterior. É uma região muito nebulosa para tomar uma decisão.”
Segundo ela, a ampliação da base de dados em português tem tornado os modelos mais sofisticados. “Hoje há um volume de dados em português e as pistas que antes podiam ajudar hoje não são mais suficientes.”
Ela acredita que a educação precisa se adaptar. “A questão não é mais usar ou não usar. Todo mundo está usando. E sempre esteve usando. O corretor ortográfico do Word, por exemplo, é um tipo de IA.”
Mudança nas salas de aula
Com a ausência de regras claras, educadores estão reformulando práticas. Freitag relata que muitos voltaram a adotar provas manuscritas, mas pondera: “Isso não faz tanto sentido se depois eu tiver de lidar com a IA em outras esferas da formação profissional.”
O professor da Unicamp Leonardo Tomazeli Duarte também observa avanços na escrita das IAs. “Eu já fiz uns testes tentando fazer com que eles usem o meu estilo. E usam muito bem. Eu mesmo tenho dificuldade de descobrir se fui eu que escrevi o texto ou não.”
O caso do travessão
Discussões sobre o uso de travessões se espalharam pelo LinkedIn e chegaram até a imprensa internacional. Segundo a OpenAI, é possível que o uso da pontuação seja mais frequente nos textos do ChatGPT, mas isso não é uma regra.
Adriana Pagano, professora da Faculdade de Letras da UFMG, diz notar esse padrão, mas alerta: “Detectar se um texto foi feito por modelo de linguagem, não é qualquer um que detecta. Mesmo assim as últimas versões têm avançado muito em formas coloquiais.”
Rodrigo Nogueira, fundador da Maritaca AI, também vê o uso da tecnologia como inevitável. “Se eu escrevo um e-mail informal, cheio de erros, e peço para a IA organizar melhor as ideias, ela vai inserir um pouco da inteligência dela. Vai usar palavras ou estruturas que talvez eu não usasse.”
Para ele, a distinção entre o que é humano e o que é artificial vai se dissolver. “Mesmo com ferramentas precisas para detectar IA, a discussão real é: quem gerou esse pensamento, o humano ou a IA? Vai ficar tudo mesclado.”
IA nas universidades
Diante da nova realidade, universidades estão criando comissões para lidar com o uso da inteligência artificial. Na UFMG, foi criada a Comissão Permanente de IA. “Percebemos que havia risco em ter uma atitude meramente proibitiva”, explica o presidente da Comissão, Ricardo Fabrino Mendonça.
A comissão recomenda transparência nos trabalhos acadêmicos, discussão em sala sobre os impactos da IA e também sugere não usar softwares de detecção de IA, pela falta de precisão e questões de privacidade.
A geração LLM
Leonardo Duarte acredita que a nova geração já nasce imersa nos grandes modelos de linguagem. “O uso vai ficando mais natural pela disponibilidade, pela convivência. Não dá para fechar os olhos ou dizer para não usar.”
Ele propõe incorporar o uso da IA nas aulas, desde que os estudantes descrevam o processo. “Quero saber o processo. Se não pedir isso, vão usar do mesmo jeito e não me contar.”
Duarte acredita que, em breve, a IA será disciplina comum em diversas áreas. “Logo vai ter aula de IA em Biologia, como já existe bioestatística.”
IA treinada em português brasileiro
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (2024–2028) tem entre suas metas desenvolver modelos de linguagem com dados locais.
Rodrigo Nogueira aponta duas razões principais: soberania tecnológica e conhecimento contextual. “Se eu treino a IA com base nas leis brasileiras, ela já nasce sabendo de cabeça todas as nossas normas.”
Para ele, uma IA feita no Brasil oferece vantagens em relação a modelos genéricos. “Pode até saber de tudo, mas não tão bem quanto a nossa.”
(Com informações de g1)
(Foto: Reprodução/Freepik)