“Conforme decisão de Fachin, compete à Justiça do Trabalho avaliar os elementos de prova de cada caso e a higidez da relação jurídica entre trabalhadores e seus contratantes”
Pejotização é fraude trabalhista – O Supremo Tribunal Federal (STF) tem recebido nos últimos meses uma quantidade expressiva de reclamações constitucionais para cassar decisões da Justiça do Trabalho relativas a contratos fraudulentos de prestação de serviços. Um dos métodos usualmente empregados para dissimular a verdadeira natureza — empregatícia dessas relações de trabalho são os contratos de pessoas jurídicas.
Embora esses processos ainda não tenham sido decididos por órgão colegiado, alguns ministros, individualmente, têm concedido decisões liminares para desconstituir as decisões da Justiça do Trabalho e até mesmo para afastar a competência desta em matéria trabalhista.
Na contramão dessa corrente, no último dia 23 de abril, o ministro Edson Fachin rejeitou reclamação ajuizada pela TIM S.A. A empresa se valeu dos mesmos argumentos invocados por parte dos ministros para conceder as mencionadas decisões liminares, a fim de anular decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª Região. Segundo essa argumentação, ao reconhecer o vínculo empregatício de uma trabalhadora contratada como pessoa jurídica, o TRT teria afrontado a jurisprudência do STF contida na ADPF 324, na ADC 48, na ADI 5.625, e no Tema 725 da repercussão geral, a despeito de terem sido identificados todos os elementos caracterizadores de uma relação de emprego.
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Fachin fundamentou sua decisão na ausência de aderência temática, tendo em vista que as decisões supostamente violadas (ADPF 324, ADC 48, ADI 5.625 e Tema 725) não tratam de fraude para disfarçar a relação de emprego por meio de contratos simulados entre pessoas jurídicas.
Além disso, o ministro reafirmou a competência da Justiça do Trabalho para analisar a causa, com base no artigo 114 da Constituição, que atribui à Justiça do Trabalho competência para julgar as ações oriundas da relação de trabalho.
A decisão do ministro Edson Fachin homenageia a realidade fática e jurídica da controvérsia apresentada e representa uma verdadeira correção de rumos do STF em matéria trabalhista. A matéria tratada na ADC 48 (declaração de constitucionalidade da terceirização da atividade-fim do transporte rodoviário de cargas) não guarda aderência com os contratos de trabalho por meio de pessoa jurídica da empresa reclamante.
A ADPF 324, por sua vez, declarou a licitude da terceirização de atividade meio ou fim. A tese firmada é claríssima no sentido de que se está a tratar da modalidade de terceirização. Reitera-se, por oportuno, que esse não é o caso de contratação de mão de obra por meio de contrato de prestação de serviço por pessoa jurídica (fenômeno conhecido como “pejotização”).
Relação entre empresa e empregado
O caso da reclamação constitucional proposta pela TIM não se refere à relação triangular da terceirização (prestador de serviço, empresa terceirizada e tomador de serviço), mas de uma relação direta entre a TIM e a trabalhadora.
É certo que, no julgamento do Tema 725 da Repercussão Geral — RE 958.252 (relator ministro Luiz Fux), o STF reconheceu a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas por outras formas desenvolvidas por agentes econômicos, desde que realizada entre pessoas jurídicas distintas.
Entretanto, a chancela de outras formas de organização de trabalho pressupõe a juridicidade dos contratos e a boa-fé objetiva dos contratantes. Naturalmente, as decisões do STF em controle concentrado não poderiam admitir acobertar em suas respectivas teses a superação de situações de simulação ou fraude contratual.
A decisão do TRT da 9ª Região neste caso tem a ver com fraude na relação de trabalho, uma vez que os elementos caracterizadores do vínculo de emprego estavam presentes na relação direta de pessoa natural (trabalhadora) com a empresa.
O fato de o STF considerar lícita a organização do trabalho na modalidade de terceirização e de outras relações entre pessoas jurídicas distintas não pode ser interpretado para afirmar aprioristicamente que qualquer contrato de prestação de serviço seja lícito. Afinal, a própria legislação estabelece sanções para as hipóteses de fraude, de simulação de negócio jurídico, de cláusulas abusivas e de outros vícios jurídicos.
Conforme bem destacado na decisão do ministro Fachin, compete à Justiça do Trabalho avaliar os elementos de prova de cada caso concreto e a higidez da relação jurídica entre trabalhadores e seus contratantes.
Por Cíntia Fernandes, advogada e professora de Direito do Trabalho
*Texto publicado originalmente no site Conjur
(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)