Suspensão de processos sobre pejotização ameaça direito do trabalho no Brasil

Pejotização – O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta segunda-feira (14) todos os processos na Justiça envolvendo a pejotização — mecanismo que tem sido utilizado por empresas para contratar funcionários como pessoa jurídica (PJ) para fugir dos encargos trabalhistas.

A contratação de PJs, no entanto, possui regras específicas para não configurar um vínculo que deveria ser regido pela CLT, forma de contrato adequada quando o funcionário responde a um superior, cumpre carga horária e não possui outros “clientes”, por exemplo.

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Caso haja um ou mais elementos que são específicos de uma contratação CLT, a Justiça do Trabalho frequentemente reconhece o vínculo empregatício e determina que o empregador pague os direitos trabalhistas do empregado, como férias, 13º, FGTS, seguro-desemprego e outros benefícios que possa haver na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria daquele funcionário.

Gilmar, no entanto, afirma que o Supremo já decidiu, em ações diversas, pela legalidade da contratação via PJ, porém casos relacionados ao tema seguem chegando ao STF como recursos de decisões Justiça do Trabalho, que, em regra, tem entendido haver vínculo trabalhista na pejotização.

“Parcela significativa das reclamações em tramitação nesta Corte foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva. Esse fato se deve, em grande parte, à reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte sobre o tema”, diz o ministro na decisão.

Ele pediu ainda que o tema tivesse repercussão geral, e o plenário concordou, por maioria, em discutir uma tese sobre o assunto que deve nortear todas as decisões do Judiciário acerca da pejotização, com divergência apenas do ministro Edson Fachin.

Magistrados trabalhistas reagem

Conforme apuração da Folha, Fachin defende que o Supremo não se envolva em assuntos da Justiça do Trabalho, pela Corte trabalhista ser um ramo especializado do Judiciário que existe justamente para resolver conflitos entre empregados e empregadores. O entendimento do ministro vai ao encontro do posicionamento da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra):

“À Justiça do Trabalho, aliás, sempre coube apreciar se uma relação de trabalho, a exemplo da mantida por representantes comerciais, cooperativados, empreendedores ou profissionais liberais, caracterizava ou não autêntico vínculo de emprego, sempre que se afirmasse, com base no art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, a existência de mecanismos para mascará-lo”, afirma a entidade em nota a respeito da decisão de Gilmar.

“Trata-se, como é cediço, de um dos mais importantes preceitos da legislação trabalhista interna, pois permite que sejam analisados os elementos da relação, a fim de se identificar ou não, em cada situação jurídica concreta, o vínculo de emprego, à luz do princípio da primazia da realidade e a partir de fatos relevantes, como se houve ou não pagamento de salários e se o trabalhador cumpriu ou não certa jornada”, segue a nota.

A Anamatra classificou como “preocupante” a decisão de suspender todos os casos envolvendo pejotização, “pois constituem uma infinidade de processos na Justiça do Trabalho, o que poderá até inviabilizar o funcionamento desse segmento especializado de Justiça.”

Ainda de acordo com a nota, o pedido de repercussão geral demonstra que não há decisão vinculante relacionada à pejotização.

“Não há enfrentamento, pela Justiça do Trabalho, a decisões do Supremo Tribunal Federal e a repercussão geral ora adotada demonstra a inexistência de precedente vinculante no tocante à pejotização, confirmando que a matéria ainda não foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal e que não se confunde com terceirização, apesar de muitas reclamações constitucionais terem sido acolhidas com esses fundamentos”, argumenta.

Desmonte do direito trabalhista

Para o jurista e professor de direito na Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior, a decisão é mais um passo em direção ao desmonte dos direitos trabalhistas que tem sido promovido desde a reforma trabalhista de 2017. “Estamos diante da realidade concreta do fim do direito do trabalho”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.

De acordo com Souto Maior, o STF tem tratado a pejotização como uma forma de terceirização, mas a prática é “uma fraude”. “Se aceita que o simples ‘consentimento’ do trabalhador seja suficiente para firmar um contrato comercial, sem vínculo de emprego e sem qualquer proteção da CLT, e nem mesmo o Judiciário poderá contestar isso. É um momento gravíssimo”.

O especialista alerta que, se a decisão do Supremo for no sentido de validar um contrato PJ com base apenas na vontade individual do trabalhador, isso pode significar a “extinção dos direitos trabalhistas para qualquer trabalhador e atividade e da própria Justiça do Trabalho”.

(Com informações de Folha de S.Paulo, Brasil de Fato e Anamatra)
(Foto: Reprodução/Freepik)